segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Coluna: Sexo a 5 - Brinquedos

Eu estava encarando o maior pau de borracha que eu já tinha visto na vida, chocado com a gula e a elasticidade de algumas pessoas e das partes de seus corpos.

- UM cara já quis comprar esse, sabia? – minha amiga me falou. Ela, ironicamente para todo o resto do grupo, tinha conseguido um emprego em um Sex Shop. Íamos lá direto e nos sentíamos em um parque de diversões com todas aquelas possibilidades.

- Não acredito – eu disse ainda chocando com a monstruosidade do pênis de borracha. Não estou falando de trinta ou quarenta centímetros. Aquela coisa devia ter pelo menos um metro de comprimento e era largo também. – Quem tem um cu que se encaixe nisso?

Tentei imaginar por um segundo alguém enfiando um metro de rola rabo acima, mas era grosseiro demais. Nunca fui muito fã de sexo rough, era mais tradicional nesse sentido. Felizmente, minha amiga já tinha um bom tópico para desviar meu pensamento daquelas imagens.

- Tô de namorado novo – ela disse.
- Eu sei. Você já falou.

Meu grupo de amigos sempre foi muito precoce, embora não parecesse. Essa minha amiga era um exemplo. Aos 17 anos deixou a casa dos pais e foi morar junto com um cara. A casa deles virou nosso quartel general, e íamos lá sempre que queríamos fazer besteira. Por lá, acompanhei os altos e baixos da história dos dois, e mesmo nos momentos difíceis aprendi a vê-los como um casal ideal. Então, foi uma grande surpresa quando descobri que eles tinham se separado.

- Queríamos coisas diferentes – ela me disse na época. – Ele não estava me ajudando a crescer, a evoluir. 

Apesar de ter ficado triste com o rompimento, não deixei de considerar esse motivo válido, e talvez o mais correto, para se terminar uma relação. A atitude da minha amiga de tomar essa decisão, por outro lado, me surpreendeu. Eu sempre a vi como uma daquelas que segue a filosofia “deixa a vida me levar”, vivendo um dia de cada vez, sem grandes preocupações ou problemas.

Enfim, desde o fim do casamento, ela começou a aproveitar tudo o que tinha direito. E não raro, emendava um namorado atrás do outro, com muita facilidade, mas não empolgação. Eram relacionamentos curtos e não sei se muito produtivos. Eu tinha conhecido, de ver pessoalmente, um deles. Tinha um outro, que eu sabia só de ouvir falar, e eu achava que era desse que ela estava falando.

- Não esse. Outro namorado – ela explicou.

Para alguém que terminou um casamento por falta de perspectivas, ela estava arranjando namorados bem sem futuro. Enquanto falava do novo namorado, minha amiga em nenhum momento demonstrou empolgação ou mesmo paixão. Era quase como se fosse conveniente estar com ele, ou como se ele fosse um dos brinquedos sexuais que ele vendia.

Ainda pensando nisso, comprei com ela um par de dados – que eu sempre quis -, em um dos dados tinha instruções sobre o que fazer, no outro as partes do corpo. Daí, era só você jogar com o parceiro. É muito divertido, posso perder domingos inteiros com esse joguinho.

Peguei o metrô de volta para casa e não pude deixar de divagar sobre esse troca-troca de parceiros. Pensei que, talvez, as pessoas se relacionam com os outros hoje da mesma forma que se relacionam com os brinquedos eróticos que minha amiga vende no Sex Shop. Era uma relação primordialmente baseada no prazer, não na emoção. Por isso a troca de parceiros, sem ressentimentos ou tristezas. É só terminar e procurar outro brinquedo, dos muitos que estão por aí.

Ao chegar a essa conclusão, não sei se fiquei triste e desanimado, ou excitado diante de tantas possibilidades. 

domingo, 21 de outubro de 2012

Coluna: Sexo a 5 - Compromisso

Hora de brincar um pouco com Sex and The City. Eu sempre gostei muito da ideia de fazer uma coluna contando as peripécias sexuais de meus amigos, que não são poucas, por sinal. Quando se fala sobre sexo, forçosamente se fala sobre relacionamentos e pessoas e tendências. Então, vamos ver como seria. Criei essa coluna fictícia, mas baseada em fatos reais. A maioria dos rolos, relações e personalidade dos personagens são reais (aconteceram com meus amigos, e algumas comigo), mas omiti os nomes para não dar dor de cabeça para ninguém. 


Foi uma típica cena de filme, pelo que ele me contou. O encontro casual na biblioteca, o bate-papo descontraído, as tiradas inteligentes, a saída apoteótica e a promessa de novos encontros.  Estava tudo ali. A receita cinematográfica do início de um bom relacionamento. Muito impressionante para um cara de vinte anos que ainda achava que podia controlar sua vida como um roteiro de cinema.

- Conheci meu cara da biblioteca – meu amigo me disse, em uma das nossas reuniões para beber e falar besteira.
- Que cara da biblioteca?
- O Cara da Biblioteca. Aquele que eu encontro, bato um papo, mostro como sou inteligente e nos apaixonamos loucamente. Igual nos filmes.
- E vai dar certo? – eu perguntei, desconfiado.
- Com certeza.

E com isso decretado, ele começou o tortuoso caminho que os levaria a cama.  As conversas, os sorrisos bonitos, as mãos que tocavam, o agarramento nos banheiros, os “pode ser” e os “não pode ser”. Até que enfim, veio o convite para o “almoço”.

- Ele me convidou para almoçar na casa dele amanhã – ele disse. –O que é que eu faço?
- Ué, vai. – eu disse.
- Você não tá entendendo. Não sei como funciona com os héteros, mas para os gays, um convite para almoçar em casa significa que só a sobremesa será servida.  Ele estava me chamando para transar, e eu fiquei nervoso. Ainda acha que devo ir?

Primeiro, eu não sabia desde quando ele se tornara tão pudico; segundo, como é que podia dar uma opinião àquele respeito. Parece que estava falando com um carinha do arco da velha que achava que um contanto físico mais intimo era, obrigatoriamente, um sinal de compromisso sério.

Prometi que daria a reposta no outro dia e corri para receber uma amiga que havia acabado de chegar de viagem. Ela estava naquelas de não acreditar no amor, vendo filmes europeus e lendo literatura séria.

- Transei com Meu Japonês? – ela me disse.
- Que japonês?
- O das minhas fantasias.

Ela era tarada por orientais em geral, tarada mesmo. Era vidrada nos olhinhos, nos cabelinhos, em como eles eram bonitinhos e tudo mais. Não me surpreendi muito ao vê-la voltar feita da viagem, afinal ela foi para se divertir. Mas os detalhes me deixaram orgulho.

Ela conhecera o cara num passeio pela cidade. Ele tinha parado para pedir uma orientação, uma forma de chegar junto descarada, e depois partiu lançando os olhares e sorrisos bonitos. Eles se encontraram em uma festa mais a noite e não demoraram nada para se encontrarem num apartamento.

- A gente fez sexo em todos os cômodos da casa – ela me disse com um sorriso.
- E quando é que vocês vão se ver de novo?
- Não vamos. Não quero compromisso sério.

Enquanto ela me contava mais sobre a viagem fiquei pensando na repulsa pelos “compromissos sérios”. Nunca vi nenhum problema em escolher alguém e ficar junto, dividir as coisas, comer brigadeiro e assistir ao Chaves. Não parecia um suplício ou uma prisão, mas exigia coragem. Para alguns era quase como enfrentar um monstro. O terrível monstro da Falta de Personalidade. Pode até parecer incompreensível, mas é só dedicar um tempo ao assunto para ver que tudo faz sentido. É um medo irracional, mas extremamente pungente. O momento onde, a literatura romântica, fala que dois se tornam um. E isso, só isso, já parece algo saído de um filme de terror. Dois se tornam um, o que é isso? Um tipo de mutação estranha. O tipo de compromisso que se vê hoje em dia chega perto da psicose. É um que fiscaliza o e-mail do outro, outra que não deixa que fulana seja amiga do namorado no Facebook, outro que fiscaliza as mensagens de celular. Medo. Tipo, Glenn Close total. 

Num mundo onde as relações parecem cada vez mais distantes, quando você assume um compromisso com alguém, faz de tudo para mantê-lo. E isso coloca o casal numa redoma de vidro, faz com que um queria se igualar ao outro, afastar os amigos. É triste como uma relação que devia ser de cumplicidade e harmonia se transforma numa relação de dependência total. É preciso saber lidar e contornar todas essas coisas, e isso exige tempo e paciência. E quem tem tempo e paciência hoje em dia?

- Nós “almoçamos” – meu amigo disse no outro dia.
- Legal. E aí?
- Não vai rolar.
- Por quê?

Ele parou para pensar. Demorou demais. Estava inventando uma mentira, qualquer coisa para não ter que dizer que tinha ficado com medo de, enfim, enfrentar o Monstro do Relacionamento Sério.

- Ele não usa cueca boxer.

Eu fingi que acreditei.

sábado, 20 de outubro de 2012

Conto: Os Mortos


Os homens vieram na minha casa na hora marcada. Vestiam ternos escuros e gravatas brancas, os dois. Achei estranho ver dois funcionários públicos usando aquela espécie de uniforme, as cores escuras, os rostos pesados, como se o trabalho que faziam estivesse impregnado neles. Eles já não trabalhavam com a morte, eles incorporaram o espírito dela.

Minha mãe estava no quarto. Tinha morrido há menos de duas horas. Cinco minutos depois eu tinha enviado um e-mail para o Órgão. Podia não fazê-lo, mas já tinha ouvido muitas histórias, histórias daqueles que tinham tentado velar seus mortos e foram pegos. Histórias pesada. Parecia que todas as histórias eram pesadas naquela cidade, naquele mundo, naquele “lá” onde as pessoas sempre queriam chegar.

Tentei me convencer de que avisei o Órgão porque era coisa certa a fazer, a lei. Fiz isso para ser correto, não por estar querendo desesperadamente acabar com tudo aquilo, o sofrimento, os anos vendo minha mãe definhar, enlouquecer de dor, me xingar, dizer que me amava, chorar, morrer. Desde que minha mãe caiu doente eu esperava por esse momento, o momento em que eles apareceriam e tomariam conta da situação. Eu estava cansado de tomar conta e tudo.

Mas ela tinha morrido agora. Era assim que era ser livre?

- Do que ela morreu? – um deles perguntou com os olhos no papel preso a uma prancheta.
- Câncer – eu falei, rouco.
- Por que ela não estava no hospital?  - quis saber o outro, também sem olhar para mim.
- Não tinha mais nada que podia ser feito. Ela quis morrer em casa.

O primeiro que falou comigo soltou um grunhido de entendimento e caminhou em direção ao quarto. Parou no meio do caminho e apontou para o cômodo como se perguntasse se era ali que ela estava. Falei que sim com a cabeça. Ele entrou.

O outro continuou escrevendo. Em silêncio. Olhei para o teto, para o chão, para a janela. Estava escurecendo. Olhei para o relógio. 18 horas. O homem continuava escrevendo. Tive a impressão de que ele não escrevia nada, queria apenas uma desculpa para manter a cabeça baixa e não me encarar.

O que estava no quarto voltou. Fez um aceno de cabeça afirmativo para o companheiro, que finalmente parou de escrever.

- Vamos queimá-lo amanhã. Fique em casa o dia todo.

E foram embora.


- Não podemos mais enterrar nossos mortos – ela começou a dizer. Tinha os olhos cansados e olheiras roxas, largas e pesadas. Já não se vestia para ninguém. Chegou em casa com chinelo de dedo sob meias amarelas ou apenas encardidas. O rosto estava manchado. Era bonito antes, lembro do meu tempo de criança. Agora estava marcado, pela vida, pela dor. “Era como se tivesse brigado com a vida e perdido”.Onde foi mesmo que eu escutei essa descrição? Já não importava, mas era assim que ela parecia. Ela se chamava Gertrudes. Sempre foi minha vizinha. Agora era só um corpo que andava, um monte de carne que vivia porque não conseguia morrer.Que andava com um suéter três vezes maior que ela escondendo a camisola velha, que já começa a se desmanchar.

- Urubus, é isso que eles são – ela continuou e eu deixei. – Farejam a morte, parece que gostam dela, do gosto. Acho que essa é a maior crueldade de todas, sabe? E não comecei a pensar isso só agora, depois que tudo aconteceu. Sempre pensei assim. Mesmo antes de eles fizerem o que fizeram com meu filho. Os tempos eram outros, eram sim. A gente velava os que tinham partido assim: dentro de casa. O caixão ficava assim, no centro da sala. Não acho que você saiba o que é um caixão. Talvez tenha visto algum pela televisão, num filme antigo, ou na internet, naqueles vídeos horrorosos de... você sabe, sexo. Você não tem cara de quem gosta disso, mas nunca se sabe, não é? Enfim, antes, bem antes, a gente podia ver nossos mortos uma última vez. A gente podia vê-los até o fim. Até eles serem enterrados e ficarem lá. Ainda perto. Sempre que sentíamos saudades íamos nos cemitérios. Levávamos flores, ajoelhávamos em frente aos túmulos e rezávamos. Assim, como se eles estivessem ouvindo. A gente sabia, claro, que depois de alguns meses o que sobrava ali eram ossos, era resto, era verme. Mas para cada um de nós era solo sagrado. Era ali que estavam nossos mortos. Eu lembro da primeira vez que eles disseram “Vamos queimar todo mundo”. “Não temos mais espaço”, eles diziam. “Tem muita gente, tem pouco espaço; tem muito carro, tem pouco estacionamento; Não precisamos de mortos, precisamos de espaço”. Eu fui lá, no cemitério onde meus pais estavam enterrados, quando eles começaram a destruir tudo. Eles tiraram os caixões, abriram os túmulos. E o cheiro... Nossa Senhora, o fedor de tantos corpos em vida. Ele nuca foi embora. Daí, eles pegaram os corpos. Alguns ainda quase intactos, outros apenas ossos. Jogaram tudo num caminhão, queimaram todos. Todos. Hoje, no lugar onde estava o cemitério dos meus pais tem um shopping. Enorme. Quatro andares, praça de alimentação ampla, lojas caríssimas, caríssimas. Estacionamento para mais de mil carros. Eu nunca fui lá. Dizem que é assombrado. O mundo todo é assombrado. Assombrado pelos mortos que não conseguem descansar.