Eu não estava fazendo nada numa sexta-feira à noite quando
Charles me chamou para sair. Eu não queria ir, estava na época em que
aproveitava o “nadismo”. Não fazia nada, e não importava. Mas ele continuou
dizendo que ia ser legal, era um novo bar gay e ele queria conhecer e não
queria ir sozinho, e foi falando e falando...
- Tá bom, eu vou. Saco.
Nos encontramos em frente ao bar, só que não era um bar. Era
uma balada.
- Você falou que era um bar – eu disse.
- Mas é um bar.
- Não é uma boate.
- Ninguém mais fala "boate".
Nós entramos.
Eu não gosto muito boate ou seja lá o nome que tem hoje. Sempre tem muita
gente, muitos "u-huus", e pouco espaço. Não era bem o caso aqui. Não porque o
lugar era grande, mas porque estava meio vazio.
- Isso aqui não devia estar cheio? – eu perguntei.
- Vai encher. Relaxa.
Então nós pegamos uma mesa. Conversamos. Charles tinha
acabado de contar para a gente que era gay. Ele tinha passado por poucas e boas
antes disso, até a aceitação. Era como se ele tentasse transformar o fato de
ser gay na coisa mais degradante que podia, para assim poder tentar deixar de
ser. Deu para entender? Mas foi isso, tivemos que falar com ele, dar força e
tudo mais. Agora ele estava bem. Meio confuso, mas bem.
- Tá pegando alguém? – eu perguntei.
- Algumas possibilidades. Eu não tô me sentindo cem por
cento confiante.
- Por que não?
- Eu acho que eu sou ruim de jogo.
- O quê?
- Ruim de jogo, você sabe, não sei bem chegar nos caras, sou
meio envergonhado.
Estranho, eu pensei. Ele tinha feito um monte de coisas que
não tinham a vergonha como pré-requisito, mas ainda assim, era uma época que
ele estava meio louco. E ele continuou dizendo como era um fracasso nisso de chegar junto
e tal e tal, e eu pensei: Será que eu sou ruim de jogo?
Enquanto eu me debatia filosoficamente, Jennyfher estava
indo encontrar com uma amiga num bar. Jennyfher e eu éramos amigo há algum
tempo já, mas ela continuava me surpreendendo. Ela tinha um namorado, e os dois
não iam muito bem. Desde que eu a conhecia eles não iam muito bem. Ela me contou
depois, muito rapidamente, que eles tiveram uma briga boba naquela noite (que
ela provocou, eu tenho certeza), e ela precisou sair para se distrair.
Ela foi para um desses bares country e lá encontrou a amiga
numa mesa cheia. Ela bebeu, e bebeu. E como mel atrai formiga, Jennyfher atrai
homem. É simples assim. E na conversa vai, conversa vem, ela já tinha alguém com
quem passar a noite. Rápido assim.
Charles me arrastou para a pista quando a balada encheu um
pouco mais. A gente estava dançando quando eu percebi um cara olhando para ele.
Ele via, e fingia que não via.
- O cara está olhando pra você – eu disse. Ele nem se virou.
- Claro que não.
- Tá sim, tá dançando aí atrás de você.
- Para.
Mas que droga... Ele era mesmo ruim de jogo. O cara estava
lá, dançando, olhando e ele nada. Qual era o problema? Será que ele estava
esperando que o cara chegasse junto, apesar de ele demonstrar a todo momento
que estava interessado. Era isso que a gente tinha virado, um monte de gente em
exposição esperando que alguém se aproximasse e escolhesse? E o nosso poder de
escolha, desaparecia? Ser bom no jogo talvez significasse ainda ter um poder de
escolha. Não só para escolher com quem você quer ficar, mas também com quem não
quer ficar.
Não fui muito além nisso porque meu celular tocou. Era Jennyfher.
Deixei Charles dançando sozinho e fui atender.
- Oi.
- Eu vou transar com um cara aqui, mas eu tô menstruada.
Você acha que eu devo?
- Cadê você?
- No carro dele.
- E cadê ele?
- Tá dirigindo.
- Ele tá ouvindo tudo?
- Ele não é surdo. Que que você acha?
- Você tem camisinha?
- Tenho.
- Vai fazer alguma diferença se eu disser que você não deve
ir?
- Não.
- Então vai.
Ela desligou. Eles transaram. No dia seguinte ela chegou em
casa e encontrou o namorado esperando por ela. Ele estava muito arrependido da
briga e se desculpou. Chorou. Ela perdoou e tudo voltou ao normal. Jennyfher
era mestra no jogo.